sábado, 1 de outubro de 2016

Há muitos anos...

Era o ano de 1994, Simone e Cleones estavam ansiosos pela chegada do seu primeiro filho, então, dia 10 de Maio nasce o pequeno Jean. Logo no primeiro momento, mamãe Simone notou que tinha algo estranho com um dos pezinhos, era visivelmente torto. Questionou os médicos mas eles falaram que voltaria ao normal com o tempo. Mas coração de mãe não se engana, ela não conseguiu descansar com essa informação. Saiu a procura de médicos ortopedistas que pudessem oferecer um tratamento. O primeiro médico que encontrou disse que o correto era operar. Fariam alguns gessos e depois abriria o pé, montando cada osso na posição certa, era como quebrar e montar novamente. Simone saiu do consultório aos prantos, não aceitando o diagnóstico, muito menos a cirurgia.
Por acaso, na rua de sua casa, uma menina tinha passado por esse procedimento cirúrgico e tinha os pés totalmente deformados. Aquela perspectiva a assustou, ela não aceitou o tratamento oferecido e foi em busca de algo que não precisasse de operar o pezinho do seu bebê. Nesse momento da história aparece um anjo, sim... histórias especiais são repletas de guerreiros, milagres e anjos... e um dos anjos da história do Jean, chama-se, dr. Antônio Augusto de Carvalho, o dr. Guto Carvalho.
Ele explicou que não faria cirurgia alguma, então, logo Simone e Cleones aceitaram o tratamento, queriam os pés de Jean como de qualquer criança, fariam o que fosse preciso, menos cirurgia. Por um ano inteiro Jean usou gesso. Usava por uma semana, então tirava e dois dias depois colocava novamente.
Com um ano de idade o dr Guto avisou que mudaria o tratamento, iria agora começar a fazer algo muito novo no Brasil, Jean usaria botinhas ligadas por um ferro, ele chamava de “a bota Dennis Brow”... a partir desse momento os pés do Jean evoluiriam muito. Ele não ficava em momento algum com os pés livres, primeiro usou por alguns meses a bota Dennis Brown (órtese), quando ele começou a andar, então passou a usar a órtese aliada as botas ortopédicas, algo parecido com o tênis do bico invertido. Em momento algum seus pés ficavam livres ou descalço.
Com o tempo o dr Guto mandou que ele, dia sim, dia não, caminhasse na areia para criar curvinha na sola do pé. Que sacrifício foi no início, pois ele nunca ficava com os pés descalços e para ele aquilo era novidade, o assustou. Foi preciso que o pai pegasse e colocasse na areia, ele insistia erguendo os pés e pedindo colo... demorou alguns dias para que ele se acostumasse. Então o tratamento seguia diariamente com uso de órtese Dennis Brown, tênis ortopédico e apenas 1 hora de caminhada na areia com os pés livres.
Conversando com os pais do Jean, percebi que toda a proposta de tratamento foi algo revolucionário e novo no Brasil. A primeira órtese usada demorou muito para chegar, então, dr. Guto pediu que a mãe levasse um par de sandália e ele mesmo parafusou esse par de sandálias em uma madeirinha, tipo ripa... ali estava pronta a primeira órtese. Jean cresceu e foi para a escola, seguia usando bota quando acordado e para dormir a órtese, com 7 anos de idade o ortopedista suspendeu o uso da órtese e ele continuou com os tênis ortopédicos, isso até cerca de 9 ou 10 anos de idade.
Jean nunca teve recidiva, na verdade, ao observar as fotos, percebi que antes da órtese o pé ainda era um pouco torto, quem realmente deixou os pés em excelente posição foi o uso da órtese.

Como conheci o Jean? Essa parte da história é incrível! Por anos Jeans soube da história contada por seus pais. Era tudo muito confuso porque ninguém nunca soube explicar para seus pais a razão dele ter nascido com o pé torto. Ela pensava que por alguma razão ele prendeu o pé embaixo da costela dela e isso causou todo o problema. Então Jean cresceu, tem vida normal, praticou muito esporte, por anos fez natação, disse que esse exercício foi o mais recomendado por seu médico... e ele tem vida normal, sem dores, sem limitações, sem cicatrizes no pé...
Jean namora uma menina muito querida e especial, a Milla, que foi minha aluna. Milla acompanhou toda a história do Enzo, foi então que ela viu fotos do Jean com o gesso e com a órtese e ela entendeu que ele teve sim PTC... graças a essa menina super querida que conheci o Jean e toda a sua família.
Tenho conversado com ele e essa história é incrível! Um sopro de esperança para todos os pais de bebês que usam órtese, que por vezes sentem-se cansados e têm medo e vontade de desistir. Deixo aqui registrado, para que sirva de exemplo e ânimo para todos, a história de um dos primeiros bebês que tratou pelo método Ponseti em Mato Grosso.
Contou com a ajuda de pais maravilhosos que não aceitaram a cirurgia e fizeram de tudo para que ele seguisse usando órtese até os 7 anos e bota até os 10 anos. Um médico maravilhoso, que pesquisou e aventurou-se por um método pouco conhecido no Brasil ainda na década de 90. Deixo aqui o exemplo desse médico e desses pais... são anjos assim que mudam a história de crianças PTC. Alguns pontos importantes:
1 – Sempre que encontro adultos PTC, eles passaram por cirurgias grandes, essa mesma cirurgia que a mãe do Jean lutou tanto para que ele não fizesse. Muitas vezes esses adultos reclamam da flexibilidade dos pés, após uma certa idade começam a sentir dor quando ficam muito tempo em pé dentre outros problemas. Por sua vez, Jean não sente nada. Vida totalmente normal.
2 – Ele não se lembra de nada!!! Isso é meio bobo de dizer, mas é bom de saber... então para quem não suporta o filho chorando por causa da órtese, fica aqui o recado: não desista... seu filho não irá se lembrar de nada disso... mas ele irá precisar dos pés em perfeita posição para desenvolvimento e atividades. Não sofra pelo hoje, sonhe e projete para o futuro.
3 – Alta da órtese: esse é um assunto delicado, vejo bons médicos dando alta aos 2 anos e meio de idade da criança, um risco... sem sombra de dúvidas. Eu fiquei super feliz ao saber que Jean usou órtese até os 7 anos de idade e não teve problema algum com isso, pelo contrário, nada de recidiva e zero cirurgia, nem mesmo a tenotomia ele fez!!!!
Fica aqui minha gratidão por Jean, seus pais e a Milla, terem aberto as portas para que eu os conhecesse e também pudesse contar essa história.
Façamos hoje, como a mãe do Jean fez há mais de 20 anos... vamos seguir lutando por esses pezinhos, logo não serão mais pezinhos, eles irão crescer e terão vida normal! Obrigada, mais uma vez, ao Jean, a Milla, a mãe Simone e ao pai Cleones. Deus continue abençoando vocês e tenha certeza que, sua luta é inspiração para muitos outros pais. Fotos do nosso encontro e do Jean: